Sunak promete corrigir o rumo com equipa de continuidade

Despedida de Truss e confirmação de Sunak num dia em que insistiu na tecla das dificuldades e em que escolheu a equipa.

Para quem gosta de ver sinais nas estrelas e afins, o homem acabado de ser encarregado pelo rei Carlos III de formar governo chegou a Downing Street e tinha o habitante do número 10 à sua espera na rua: Larry, o gato. O felídeo, também conhecido como chief mouser (chefe caçador de ratos), já conviveu com quatro primeiros-ministros antes de Rushi Sunak. À noite, deambulava uma raposa pela porta da residência do primeiro-ministro e sede do governo britânico. Foi o final de um dia em que o sucessor de Liz Truss se dirigiu aos concidadãos, com avisos para o que os espera, e escolheu uma equipa governamental marcada pela continuidade e alguns regressos, tendo representantes das várias fações do Partido Conservador.

Com Larry ao fundo, Rishi Sunak repetiu no primeiro discurso aos britânicos à porta do número 10 as ideias que tinha deixado nas breves declarações da véspera após ter sido aclamado líder do partido e, por extensão, novo primeiro-ministro. E não demorou um minuto para dizer ao que ia. “Neste momento, o nosso país está a enfrentar uma profunda crise económica. As consequências da covid ainda se prolongam. A guerra de Putin na Ucrânia tem desestabilizado os mercados energéticos e as cadeias de abastecimento em todo o mundo”, começou.

“[Liz Truss] não estaria errada em querer melhorar o crescimento neste país. Mas alguns erros foram cometidos”, disse Rishi Sunak.

Depois interrompeu para dar nota de “homenagem” à antecessora, na qual, de forma polida, reconheceu o caminho errado das suas políticas económicas (tal como alertara durante a campanha para a liderança). “Ela [Liz Truss] não estava errada em querer melhorar o crescimento neste país. É um objetivo nobre, e eu admirava a sua ânsia em causar mudanças. Mas alguns erros foram cometidos, não fruto de má-vontade ou más intenções, bem pelo contrário. Mas foram erros, não obstante, e eu fui eleito líder do meu partido e vosso primeiro-ministro em parte para os corrigir”, prosseguiu.

Ao dizer que iniciava de imediato esse trabalho prometeu “pôr a estabilidade económica e a confiança no centro da agenda deste governo”. Dito de outra forma, “isto significará decisões difíceis a tomar”. Ao fazer o pré-anúncio de decisões que vão atingir os britânicos – prevê-se o aumento da carga fiscal – Sunak garantiu que terá em conta fazê-lo “com a mesma compaixão” com que desempenhou as funções de ministro das Finanças durante a crise da pandemia. Garantiu também que irá unir o país “não com palavras, mas com ações”, e que o seu gabinete se distinguirá pela “integridade, profissionalismo e responsabilidade” – os executivos dos dois líderes anteriores dificilmente cabem nesta descrição.

Ciente de que 62% dos eleitores defendem eleições antecipadas e que uma larga maioria atribuiria o seu voto ao Partido Trabalhista, o novo líder tentou legitimar a sua posição tendo em conta o sistema parlamentarista. “Serei sempre grato a Boris Johnson pelas suas incríveis realizações como primeiro-ministro, e aprecio o seu afeto e espírito generoso. E sei que ele concordaria que o mandato que o meu partido ganhou em 2019 não é propriedade exclusiva de nenhum indivíduo. É um mandato de todos nós e que nos une a todos. E o cerne desse mandato é o nosso programa eleitoral”, concluiu.

Sunak não lembrou, porém, que o programa de 2019, além de ter como finalidade concluir o Brexit, prometia avultados investimentos nas infraestruturas, no serviço nacional de saúde e na educação, pelo que, depois da pandemia, da guerra na Ucrânia e da situação financeira do país, esse programa é irrealizável.

Quanto à equipa governamental, Rishi Sunak tentou dar sinais de continuidade e de pacificação ao Partido Conservador. Vários ministros de Truss mantiveram-se no governo, sendo os casos mais surpreendentes os de Suella Braverman, que fica no Interior, e o de Thérèse Coffey. O braço direito e amiga da antecessora sai da Saúde (para onde regressa Steve Barclay) e fica com as pastas do Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais. Penny Mordaunt, que não conseguiu os apoios suficientes para discutir a liderança, mantém-se como líder dos conservadores na Câmara dos Comuns.

Os trabalhistas prometem não dar tréguas. A deputada Yvette Cooper criticou a escolha de Braverman, que se “demitira por um lapso de segurança” e agora foi readmitida. “Colocou o partido à frente do país”, apontou a Sunak.

Consensuais e controversos

Jeremy Hunt

Depois de ter sido chamado por Liz Truss para reverter por completo as políticas suicidas de Kwasi Kwarteng e preparar um orçamento que estabilize as finanças do país, manteve a confiança de Sunak. Será a cara da austeridade.

James Cleverly

O ministro dos Negócios Estrangeiros foi o primeiro apoiante de Truss – e da tentativa de regresso de Boris Johnson – a ser reconduzido, um sinal de que Sunak pretende unir as várias fações do partido.

Ben Wallace

É a única referência de estabilidade: ministro da Defesa desde julho de 2019, aí vai continuar graças a um trabalho elogiado dentro e fora do partido. A sua continuidade estava em dúvida porque defende para o setor 3% do PIB até 2030, e Sunak não está para aí virado.

Dominic Raab

Regressa aos cargos de vice-primeiro-ministro e ministro da Justiça que desempenhou no governo de Johnson. Apoiante de Sunak, apelidou os planos de Truss de “suicídio eleitoral”.

Suella Braverman

Procuradora-geral durante o consulado de Johnson, foi ministra do Interior de Truss até bater a porta com críticas à então primeira-ministra quando se viu obrigada a demitir por uma falha de segurança (enviou um email com um documento confidencial a um deputado). Volta agora ao Interior, onde tentará dar corpo ao plano de enviar imigrantes sem documentos para o Ruanda, política defendida também por Sunak.