Para Moscovo cabe ao Ocidente levar Kiev a negociar

Sucedem-se apelos para o retomar da via diplomática e o Kremlin sugere ao Ocidente que use a sua influência. Ucrânia não acredita na seriedade russa nem quer uma trégua.

Opresidente turco voltou a pedir aos homólogos da Rússia e da Ucrânia para um regresso à via diplomática, e o Papa disse que a “paz é possível”, enquanto o Kremlin sugeriu que o Ocidente pode encaminhar Kiev para as conversações um dia depois de ter reconhecido que os bombardeamentos às infraestruturas energéticas do país parcialmente ocupado fazem parte de uma estratégia para tentar vergar os ucranianos e levá-los para a mesa das negociações.

Questionado sobre se as conversações com a Ucrânia só devem ter lugar com Kiev ou se devem incluir representantes de outros países, o porta-voz do Kremlin sugeriu que o Ocidente poderá ter um papel preponderante. “A experiência anterior de interação com Kiev mostra que, sem diálogo com o Ocidente, a posição de Kiev é extremamente variável. Assim, sem dúvida, o elemento de orientação, apoio e reforço de tal comunicação poderia também ser a interação com o Ocidente, porque as diretivas que daí vêm são meticulosamente aplicadas por Kiev”, disse Dmitri Peskov.

“Moscovo não mudou o seu tom de ultimato e não está preparada para negociações sérias”, retrucou o chefe da diplomacia ucraniana. “Precisamos de uma vitória, não de um empate. Se deixarmos a Rússia fazer uma pausa agora, Putin vai transformar o conflito congelado numa gigantesca bomba-relógio no coração da Europa, pronta a explodir a qualquer momento”, disse Dmytro Kuleba, num discurso em videoconferência para Viena.

Em março, os ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia e da Ucrânia encontraram-se na Turquia, e do encontro saiu a recusa ucraniana em capitular. “Quero reiterar que a Ucrânia não se rendeu, não se rende nem vai render-se”, declarou então Kuleba. Embora mais tarde, o presidente Volodymyr Zelensky tenha admitido, de forma não especificada, uma “cedência”, esta não passaria pela perda de território ou dar como facto adquirido a anexação da Crimeia. E, com os pratos da balança da guerra a tenderem para o país invadido – graças à assistência militar dos países aliados -, o seu líder não deixou margem para equívocos ao exigir a retirada de todos os territórios ucranianos como ponto prévio para alcançar a paz.

Esse ponto de vista foi articulado há dias num discurso ao G20, no qual Zelensky delineou dez pontos para o fim das hostilidades. Do lado russo, Vladimir Putin também foi cristalino quando repetiu a sua tese de que a Ucrânia é uma criação russa e que cabe a Moscovo o papel de “único e verdadeiro garante da soberania” ucraniana, como disse num discurso no final de outubro.

Apesar destas duas posições maximalistas, o presidente Recep Tayyip Erdogan e o pontífice Francisco não desistem dos esforços diplomáticos. Tendo aproveitado o sucesso da renovação dos acordos da iniciativa dos cereais do mar Negro, ao falar à vez com Putin e Zelensky, o líder turco pediu ao russo para este “reativar” os esforços diplomáticos entre Moscovo e Kiev; e ao ucraniano realçou que, dada a experiência positiva da sua intermediação (em conjunto com a ONU) para o fim do bloqueio aos navios com cereais e para a libertação dos comandantes de Azovstal (que ficam retidos na Turquia até ao fim da guerra), a extensão destes entendimentos à mesa de negociações seria “benéfica para todas as partes”.

Já o Papa crê que a paz na Ucrânia “é possível”, assim as partes se comprometam a “desmilitarizar os corações”, segundo disse em entrevista ao La Stampa. “Queremos paz, não apenas uma trégua que talvez sirva apenas para rearmar”, afirmou, enquanto reafirmou a disponibilidade do Vaticano em “fazer todo o possível para mediar e pôr fim ao conflito na Ucrânia”.

Noutro quadrante, o presidente francês apelou em Banguecoque ao bloco dos 21 países da Ásia-Pacífico (APEC) para se juntarem ao “consenso crescente” contra a guerra na Ucrânia, tendo Emmanuel Macron sublinhado que este conflito é também “o seu problema”.

Menos otimista, o chefe da diplomacia europeia teme que “a Rússia não esteja pronta para se retirar. “Enquanto não o fizer, a paz não será possível”, disse Josep Borrell. “É a Rússia que tem de tornar a paz possível, o agressor tem de se retirar se quiser uma paz sustentável”, concluiu.

Do lado dos Estados Unidos, o país que tem dado maior assistência financeira e militar à Ucrânia, a mensagem é a de que não vão interferir na diplomacia ucraniana. “Temos dito que cabe a Zelensky determinar se e quando está pronto para as negociações e como serão essas negociações. Ninguém dos Estados Unidos está a pressioná-lo, a instigá-lo ou a empurrá-lo para a mesa”, disse John Kirby, porta-voz de segurança nacional dos EUA. O chefe do Estado-Maior Mark Milley afirmara antes não crer que o exército ucraniano consiga expulsar os russos de todo o território nos tempos mais próximos.