Na IURD, reza-se muito pela saúde e um bocadinho por Jair Bolsonaro

O DN esteve em dois cultos da igreja de Edir Macedo, às vésperas das eleições. Viu e ouviu referências políticas perdidas no meio dos sermões. Mas nada que se compare à guerra santa das lideranças políticas e evangélicas nas redes sociais.

“Ameaçam, irmãos, fechar os nossos templos”, clamou o pastor, num culto da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), numa cidade a cerca de 400 km de São Paulo, fazendo-se valer de uma notícia falsa contra Lula da Silva disseminada nas redes sociais. Mais tarde, outro religioso relacionou “o demónio” a “essas tais uniões de homem com homem e de mulher com mulher”. E, no final da sessão, campanhas políticas de candidatos a deputado estadual, a deputado federal, a senador e a governador paulista, todos das listas de Jair Bolsonaro, aproveitaram para distribuir panfletos aos fiéis à entrada do templo.

O DN esteve incógnito, para não coibir qualquer eventual manifestação política, em dois cultos da IURD a pouco mais de uma semana das eleições que colocam frente a frente Bolsonaro, o candidato à reeleição que tem nos evangélicos um dos seus pilares eleitorais, e Lula da Silva, atacado pelos protestantes mas, segundo as sondagens, o preferido dos católicos (e ateus).

O primeiro culto, chamado “corrente para a cura total”, por ser focado no combate a doenças, não teve nenhuma referência política. O segundo, nomeado “corrente para a libertação de todo o mal”, por ser dedicado em parte a questões morais, teve aqueles episódios citados acima, que servem apenas de pequeníssima amostra do belicismo político-religioso reinante no Brasil.

Num país onde são abertas 21 igrejas evangélicas por dia, somando 178.511 templos, em números de maio de 2022, há casos graves de uso da fé para a campanha presidencial – a “guerra santa” entre Bolsonaro e Lula, como lhe chama a imprensa.

Um pastor de Gurupi, no Tocantins, foi gravado, a seu pedido, a dizer que Deus lhe mostrou, em revelação, os espíritos malignos prontos para invadir o Brasil, caso Bolsonaro perca. Em Botucatu, São Paulo, um pastor vetou “a ceia do Senhor” aos eleitores de Lula. “Eu ouço crentes dizendo: vou votar no Lula. Você não merece tomar a ceia do Senhor se você continuar com esse sistema”.

Numa igreja goiana, um fiel que pediu a um pastor para não falar em política foi alvejado com um tiro na perna por outro, que tomou as dores do pregador. Em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, o pastor Sérgio Dusilek desafiou os evangélicos a pedir perdão a Lula, durante manifestação a favor do antigo presidente, discurso que levou à sua demissão da Convenção Batista Carioca por pressão de líderes daquela igreja.

Na igreja católica, por outro lado, bispos, como o de Nossa Senhora de Aparecida, cuja eucaristia dominical é transmitida para todo o Brasil, vêm sendo acusados de viés pró-Lula. “Vida sim, ódio não. Verdade sim, mentira não. Democracia sim, golpe não. Pão na mesa sim, fome não. A nossa fé manifesta-se no amor, na solidariedade, na fraternidade, na cultura do cuidado ao meio ambiente e à vida humana”, disse Dom Orlando Brandes no dia 7 de setembro mais ou menos à mesma hora do discurso de Bolsonaro conhecido pelo uso do termo “imbrochável”.

Noutra ocasião, Brandes clamou “pátria amada e não pátria armada”, em referência clara à política de armamento da população do atual presidente. Na sequência, o deputado bolsonarista Frederico D”Ávila chamou os bispos católicos de “pedófilos safados” e o Papa Francisco de “vagabundo”.

Em nome do poder

Mas a própria IURD, que hoje defende que “cristão de verdade não vota na esquerda”, foi aliada dos governos do PT: a cerimónia de inauguração do Templo de Salomão, sede mundial da igreja, em São Paulo, no ano de 2014 contou com a presença da então presidente Dilma Rousseff, do seu vice, Michel Temer, do governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, e do prefeito da cidade, Fernando Haddad, todos, à exceção de Temer, manifestos eleitores de Lula este ano.

Entretanto, Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, sentou-se ao lado de Bolsonaro e da primeira-dama Michelle no enterro da rainha Isabel II, é visita constante do Planalto e autor de ruidosos discursos a favor do presidente e contra as esquerdas, os órgãos de comunicação social tradicionais e o Supremo Tribunal Federal (STF), que os bolsonaristas escolheram como alvos ao longo do governo. Um dos nomeados de Bolsonaro para o STF, aliás, é André Mendonça, ex-ministro da Justiça e influente presbiteriano. “Vou nomear um juiz para o STF terrivelmente evangélico”, prometera o presidente para equilibrar as contas de um conjunto de 11 magistrados maioritariamente católico.

“A minha perceção é de que a temática política é, sobretudo, relevante nalgumas lideranças, e não todas, das denominações evangélicas neopentecostais, principalmente as mais comprometidas com conglomerados económicos, como é o caso da IURD e outras”, diz ao DN Christina Vital, pesquisadora da Universidade Federal Fluminense e autora de Religião e Política: Medos Sociais, Extremismo Religioso e as Eleições de 2014.

“Nas comemorações dos 200 anos de independência a 7 de setembro, apoiantes de Bolsonaro empunharam cartazes pedindo liberdade para falar de política e religião mas são manifestações em comícios que não sucedem necessariamente dentro dos templos, essas igrejas que são negócios vão continuar a tentar estar sempre próximos do poder, seja ele exercido por quem for, porque agem por valores religiosos mas também interesses económicos”, continua.

“Apesar desses casos pontuais no enorme universo de cultos diários no Brasil, a maior parte do público evangélico está indo aos templos muito mais atrás de cura espiritual e emocional, da conexão com o divino e o sagrado, e muito menos com política”, defende, entretanto, Christina Vital.

O DN perguntou a uma fiel anónima, após o culto “corrente para a cura total”, onde os participantes foram convidados a levar como dízimo o dinheiro poupado em remédios graças aos milagres da IURD, se fora alguma vez pressionada a votar no atual presidente nos cultos. “Sei que os pastores e os obreiros [ajudantes dos pastores] daqui quase todos vão votar, alguns fiéis, levados por eles, também votarão mas o que tem mais nesse templo são pobres e humildes eleitores do Lula que só não se sentem à vontade de o admitir aqui”.